terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Guerra e Paz

Uma grande lembrança de infância, foi ver durante anos um livro grosso chamado Guerra e Paz.
Ficava na biblioteca da minha casa, um lugar do qual gostava muito de ver.
Nunca li, mas se pedirem para citar um livro que me lembrasse a infância, seria Guerra e Paz.

Cresci numa cidade culta do norte de Goiás, hoje Tocantins, chamada Porto Nacional.
É uma cidade que carrega grandes acontecimentos da política, medicina e da cultura. Era a cidade que tinha a casa e a biblioteca com o livro Guerra e Paz.

Meus pais, os donos do livro, eram as pessoas por quem me espelhava, eram meus ídolos. Cultos e com espírito sociais, não tinham absolutamente nenhum tipo de discriminação, nenhum mesmo.
Nossa lavadeira Mercês, era alcoólatra. Levava a trouxa de roupa para lavar no ribeirão que passava nos fundos da casa, depois trazia a roupa na trouxa lavada e passada. Volta e meia sumia uma peça, que muito provavelmente os olhos embriagados não percebiam quando a correnteza do ribeirão levava. Lembro da minha mãe buscando paciência e entendimento nessas horas, e a Mercês durante anos continuando sendo a nossa lavadeira.
Não havia desigualdade entre o filho pobre e o filho rico, cresci assim...

Lembro quando o primeiro presidente da república foi eleito através do voto popular, um dos maiores marcos da democracia brasileira. Tancredo ganhou, mas não governou. Senti raiva do Sarney e fiquei triste em saber que fazia aniversário no mesmo dia que eu. Como pode uma criança ter esse sentimento por um político?

Depois veio a primeira candidatura do presidente Lula. Meu pai era militante do PDT e apoiava o Brizola. Não sei o porque, mas de alguma forma desapoiava meu pai nessa escolha, então fazia montagens com os adesivos "izola Brizola". Poderia ser reprimida pelo meu pai, inclusive por conta do erro gramatical, mas isso nunca aconteceu.

Eu vivia no comitê do PT. Andava com o meu broche vermelho em forma de estrela no peito para onde quer que eu fosse. Ganhei uma camiseta e escolhi uma que tinha o desenho de uma menina sentada nos ombros do pai e embaixo a frase: "Meu pai vota do PT e o seu?" Acho que foi a camiseta que mais usei na vida.

Mas voltando ao livro que nunca li, "Guerra e Paz"; Fazíamos guerra de forma pacífica em busca da paz. Participávamos de ações na Consaúde e queríamos ver o Lula como presidente.
Mas antes disso tivemos o Collor e com muita indignação fomos às ruas pedir o impeachment. Nós fomos! Nós quisemos! Não tivemos influência de redes sociais ou TV. Nós sabíamos o porque ele deveria sair. E saiu. Não lembro de ter conhecido alguém, rico ou pobre, que fosse contra o impeachment do Collor. Lembro da história do pai de uma colega ter falecido com um infarte por conta do rombo da poupança. Muita gente sofreu.

Eis que temos, depois de muitos anos o Lula nos representando. Eis que as coisas começaram a melhorar para todas aquelas pessoas pobres que faziam parte do nosso dia a dia. Tudo melhorou, as oportunidades apareceram e pela primeira vez a economia começou ser assunto na mesa do pobre, em forma de carne, que deixou de ser apenas mistura, em forma de um refrigerante ou sobremesas que nunca existiram.

Meus amigos pobres receberam a oportunidade de ir pra faculdade, mas ao se misturar com outras pessoas que não sabiam a força e determinação de suas vidas, se sentiram discriminados. Para serem iguais, começaram a se comportar de forma igual. E aí a paz tão sonhada que havíamos conquistado, começou a virar um início de uma guerra.
Hoje estamos vivendo no holocausto cibernético. "Amigos" te matam das redes sociais, caso você pense diferente deles.
Os partidos deixaram de seguir suas ideologias, todos eles. Mas muitos ainda apontam os dedos lembrando do broche de estrela e da camiseta da criança que só queria uma oportunidade melhor.

Estou sendo executada pouco a pouco por manter minha opinião. A opinião de alguém que viu e viveu as mudanças que aconteceram. Estou buscando força onde não tenho para tentar retribuir com amor, todo ódio que recebo quando simplesmente me represento. Estou no meio da Guerra em busca de Paz. Talvez pela primeira vez, a solução seja descobrir o que tinha de tão interessante no livro grosso da biblioteca que não existe mais, chamado Guerra e Paz.

Ana Paula Aires

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